Dão (parte III) Quinta da Fata Reserva 2004

Tive, nestes últimos dois dias, sem saber muito bem o que beber. Olho para a minha garrafeira e reparo num conjunto de garrafas que, agora, pouco significado tem. Muitas delas foram compradas por causa das modas, porque determinado crítico disse que era do melhor que se fazia em Portugal. Porque ouvia dizer que era bom. Para entrar no clube dos respeitáveis era necessário, quase imperativo, comprá-los. A factura que paguei foi alta. Tenho, agora, muitos vinhos que pouco dizem. Bocejo de arrependimento ao olhar para eles. Penso nas elevadas quantias que dei.
Passei a ter apenas o que gosto (ou penso que gosto). Não estou para correr atrás de vinhos famosos apenas porque o são. Quero ter prazer, mesmo que digam que é absurdo isso acontecer com determinadas escolhas pessoais (estou a recordar-me do italiano do LIDL). Descobri nestes anos, de prospecção enófila, que a subjectividade da prova é de tal ordem que é uma tolice da nossa parte dar muita atenção ao que se diz, ao que se ouve, ao que se lê. Cada um sente o que deve sentir. Nada mais, nada menos. Nenhuma opinião deve ser menosprezada. É essencial partilhar os gostos e opiniões, por muito absurdos e absurdas que possam parecer. É deste modo que aprendemos, que crescemos.
Depois de um curioso e apaixonante Quinta da Fata Reserva 2003, teria todo o sentido partilhar com vocês o Reserva 2004. Nota-se o fio condutor. A matriz é muito semelhante. Aromas, odores de mato, do pinheiro, do cedro dominam. A caruma está bem vincada. Envolve fetos, cascas das árvores, folhas secas. É impossível não reparar nela. Um manto longo e espesso. As ervas aromáticas, de porte baixo, prolongavam e aprofundavam a matriz silvestre do vinho. O chocolate preto, bem amargo, aparecia discretamente. Cingia-se ao essencial. Sugestões a tabaco, caixa de charutos, transmitiam uma sensação de luxo e requinte. A canela dava-lhe um toque mais especiado, mais oriental. Lembrou que da Beira muitos abalaram para outras terras, bem mais distantes. Longe da montanha, da pedra.
Na boca, balsâmico, silvestre, longo, mastigável. Os taninos e a acidez estavam um pouco ariscos, meio irrequietos, com vontade de dizer muito, fazer muito. Todos os jovens são assim. Quem não gosta de ver e ouvir um jovem com sonhos? Os ponteiros do relógio encarregar-se-ão de os amaciar, educá-los.
Tem um longo caminho pela frente e, pessoalmente, aposto muito nele. Nota Pessoal: 16,5

Comentários

Luis Prata disse…
Belo texto para um belo vinho.
Miguel Ferreira disse…
Sinceramente utilizas as palavras certas nos momentos correctos.
Quinta da fata reserva 2003 é um vinho apaixonante, sem duvida. A seu complexidade cativa. O reserva 2004 tenho lá em casa mas ainda não abri. Devo guarda-la mais uns tempos para melhorar os taninos e a acidez. Obrigado pelas dicas
Anónimo disse…
As garrafas que não te apetece beber hoje,pode ser que te apeteçam amanhã. Por isso guarda-as, mas não as deixes estragar. Abraço.
Anónimo disse…
Ainda bem que chegaste a essa conclusão. Comprar só porque é moda é a pior opção que se pode fazer.
Unknown disse…
Quinta da Fata Reserva 2003, que belo vinho !
Acompanhou soberbamente um peru recheado nesta consoada de natal.
Denso, poderoso, quase que se mastiga !

Parabéns pelo blogue caro Pingus; é sem dúvida uma referência quer a nível poético, quer a nível enófilo.